Dia da Criança: da lei de 1924 à febre de compras de R$ 5,2 bi

Dia da Criança: da lei de 1924 à febre de compras de R$ 5,2 bi

Dia da Criança: da lei de 1924 à febre de compras de R$ 5,2 bi

Quando Arthur da Silva Bernardes, presidente da República entre 1922 e 1926, assinou o Decreto Federal nº 4.867 em 5 de novembro de 1924, ele não imaginava que o Dia da Criança se tornaria um dos maiores eventos comerciais do país.

A determinação, proposta pelo deputado federal Galdino do Valle Filho, fixou 12 de outubro como data nacional para celebrar a infância. Na época, a escolha foi influenciada pelos debates do 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, realizado em Rio de Janeiro entre agosto e setembro de 1922.

Contexto histórico e a origem da data

Nos primeiros anos da República, crianças de famílias pobres eram excluídas das escolas, trabalhavam em condições análogas à escravidão e ainda podiam ser encarceradas por "vadiagem". O decreto de 1924, portanto, tinha a intenção de criar um marco institucional que chamasse a atenção do poder público para a saúde, a educação e a proteção legal dos menores.

O calendário de 12 de outubro já era marcado pela festa de Our Lady of Aparecida, padroeira do Brasil, reconhecida oficialmente desde 1930 e consolidada como feriado nacional em 1980 (Lei nº 6.802). Essa sobreposição acabou gerando, ao longo das décadas, uma ambiguidade entre religiosidade e direitos infantis.

A virada comercial nos anos 1950

O ponto de inflexão ocorreu em 1955, quando a Brinquedos Estrela, fundada pelos irmãos Henrique e Adolfo Lehmann, lançou a campanha "Semana do Bebê Robusto". O anúncio, veiculado em jornais e rádios, prometia o boneco de plástico "Bebê Robusto" como o presente ideal para a data.

Ao mesmo tempo, a multinacional Johnson & Johnson, presente no Brasil desde 1939, lançou o concurso "Bebê Johnson", que pedia fotos de crianças entre seis meses e dois anos. As duas iniciativas mostraram o poder da publicidade em transformar um feriado de cunho social em uma oportunidade de consumo.

Impacto econômico nos tempos atuais

Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), as vendas no varejo durante o período do Dia da Criança atingiram R$ 5,2 bilhões em 2023, um aumento de 12 % em relação ao mesmo intervalo do ano anterior. Entre os produtos mais procurados estavam aparelhos eletrônicos, brinquedos de montagem e roupas infantis.

Em comparação, o comércio de Natal no Brasil costuma representar cerca de R$ 31 bilhões, o que coloca o Dia da Criança como o segundo maior impulso de vendas do calendário nacional.

O debate contemporâneo: direitos vs consumismo

Especialistas em políticas públicas alertam que a conversa sobre proteção infantil tem se perdido no barulho das vitrines. A professora de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ana Paula Soares, afirma: "O decreto de 1924 foi pensado para combater a exploração e garantir acesso à educação. Hoje, o feriado serve mais para impulsionar o consumo, o que pode mascarar a necessidade de políticas efetivas de saúde e assistência social."

Grupos de defesa dos direitos da criança, como o Instituto Alana, reforçam a importância de resgatar o espírito original da data. Em seu relatório de 2022, a organização propôs que parte das receitas geradas pelos grandes varejistas fosse destinada a programas de alfabetização e saúde infantil em comunidades vulneráveis.

Perspectivas para o futuro

Perspectivas para o futuro

O debate sobre a separação ou unificação do feriado religioso com o Dia da Criança já ganhou força no Congresso. Em 2024, o deputado federal Luiz Fernando (PL‑SP) apresentou um projeto de lei que criaria duas datas distintas: 12 de outubro continuaria como feriado de Nossa Senhora Aparecida, enquanto o Dia da Criança seria celebrado em 20 de novembro, alinhando‑se à data estabelecida pela UNICEF.

Entretanto, a proposta ainda enfrenta resistência de setores da indústria do brinquedo, que temem perder a tradição de descontos e campanhas intensas em outubro. O que parece certo é que a discussão sobre a finalidade do feriado continuará a ligar historiadores, economistas e ativistas nos próximos anos.

Fatos rápidos sobre o Dia da Criança no Brasil

  • Decreto que instituiu a data: 5 de novembro de 1924.
  • Primeiro congresso de proteção infantil: 12/08 a 22/09/1922.
  • Maior campanha publicitária inicial: Semana do Bebê Robusto (1955).
  • Vendas varejistas em 2023: R$ 5,2 bilhões.
  • Data religiosa associada: feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida.

Perguntas Frequentes

Por que o Dia da Criança foi escolhido para coincidir com o feriado de Nossa Senhora Aparecida?

A data já era feriado religioso desde 1930, o que facilitava a adoção de um novo marco nacional sem precisar criar um dia extra de folga. Assim, o governo de Arthur Bernardes aproveitou a celebração já existente para reforçar a agenda de proteção infantil.

Qual foi o papel da Brinquedos Estrela na popularização do Dia da Criança?

Em 1955, a Estrela lançou a campanha "Semana do Bebê Robusto", oferecendo descontos massivos e usando anúncios de TV e rádio. Essa estratégia marcou a primeira grande associação entre o feriado e o consumo de brinquedos, abrindo caminho para outras marcas seguirem o exemplo.

Quanto o varejo brasileiro fatura durante o período do Dia da Criança?

Em 2023, a Confederação Nacional do Comércio registrou cerca de R$ 5,2 bilhões em vendas, o que representa um crescimento de 12 % em relação ao ano anterior e coloca o feriado como o segundo maior impulsionador de compras do calendário nacional.

Existe proposta de separar o feriado religioso do Dia da Criança?

Sim. Em 2024, o deputado Luiz Fernando (PL‑SP) apresentou um projeto que criaria dois feriados distintos: 12 de outubro permanecendo como festa de Nossa Senhora Aparecida e 20 de novembro como Dia da Criança, alinhado ao calendário da UNICEF.

Quais são as críticas dos especialistas sobre a atual celebração do Dia da Criança?

Historiadores e ativistas apontam que o foco no consumo desvia a atenção das questões sociais que motivaram o decreto original, como a falta de acesso à educação e à saúde para crianças em situação de vulnerabilidade.

Todos os comentários

Carlyle Nascimento Campos
Carlyle Nascimento Campos outubro 12, 2025

É inaceitável que o Dia da Criança tenha se transformado numa armadilha de consumo!!! As famílias são bombardeadas de promoções, e o verdadeiro sentido de proteger a infância desaparece!!! Precisamos resgatar a data, focar nas políticas públicas e não na liquidação de eletrônicos!!!

Igor Franzini
Igor Franzini outubro 16, 2025

realmente tá foda essa situação.

João e Fabiana Nascimento
João e Fabiana Nascimento outubro 19, 2025

O artigo destaca com clareza como um decreto de quase um século atrás acabou servindo de base para a cultura consumista contemporânea. É importante lembrar que a intenção original era proteger as crianças vulneráveis, e não gerar volume de vendas. Os números recentes de bilhões em faturamento podem ser alarmantes se analisados sob essa ótica de desvio de propósito.

Rodolfo Nascimento
Rodolfo Nascimento outubro 23, 2025

O Dia da Criança virou um espetáculo de marketing que confunde a população. As empresas se aproveitam da boa fé dos pais para empurrar produtos desnecessários. Não é surpresa que o varejo registre R$ 5,2 bilhões em vendas, mas é revoltante que isso seja celebrado como progresso. O governo deveria impor limites claros às campanhas promocionais, ao invés de simplesmente fechar os olhos. A história mostra que, desde a campanha da Estrela, a lógica é a mesma: transformar solidariedade em lucro. Enquanto isso, milhões de crianças ainda carecem de acesso a educação de qualidade e serviços de saúde. A proposta de separar as datas pode ser apenas mais um truque para dividir o público e vender ainda mais. Os legisladores parecem mais interessados em proteger a indústria de brinquedos do que em proteger os menores. Se realmente queremos proteger a infância, precisamos destinar parte desse faturamento para programas sociais. O Instituto Alana tem razão ao sugerir a redistribuição dos recursos. Mas poucos escutam, porque o barulho das vitrines ofusca a discussão. A pressão das corporações faz com que a sociedade aceite o consumismo como normal. Não podemos mais fechar os olhos para o fato de que a data foi cooptada por interesses econômicos. A solução passa por educação crítica, que ensine pais a distinguirem necessidade de ostentação. Só assim poderemos restaurar o verdadeiro espírito do Decreto de 1924. 😊

Raphael Mauricio
Raphael Mauricio outubro 26, 2025

Eu simplesmente não aguento mais ver o comércio usar o nome das crianças assim, é um absurdo total.

Pedro Grossi
Pedro Grossi outubro 30, 2025

Galera, vamos lembrar que o Dia da Criança foi criado pra proteger os pequenos, não pra encher o bolso das lojas. Se a gente conscientizar as famílias, dá pra fazer compras mais conscientes, tipo apoiar brinquedos educativos. 😉

sathira silva
sathira silva novembro 2, 2025

É de partir o coração ver a criança ser usada como ferramenta de venda, mas ainda há esperança se nos unirmos! ✨

yara qhtani
yara qhtani novembro 6, 2025

Ao analisar a trajetória normativa, percebemos que a interlocução entre políticas públicas e estratégias de mercado resultou em externalidades negativas para o segmento de vulnerabilidade infantil. A adoção de métricas de impacto social pode mitigar esses efeitos.

Luciano Silveira
Luciano Silveira novembro 9, 2025

Concordo plenamente! Vamos usar essas métricas pra pressionar as empresas a fazerem campanha responsável 😊

Carolinne Reis
Carolinne Reis novembro 13, 2025

Ah, então agora o governo vai salvar as crianças mudando a data, enquanto as grandes redes de brinquedo continuam rindo à toa!!!

Marcus Rodriguez
Marcus Rodriguez novembro 16, 2025

Mais uma situação de “vamos mudar a data” que nunca vai acontecer, só de enrolar mesmo.

Reporter Edna Santos
Reporter Edna Santos novembro 20, 2025

Os números de 2023 mostram que o varejo atingiu R$ 5,2 bi, mas é essencial analisar a distribuição desse valor. Se parte desse montante fosse direcionada a projetos de alfabetização, poderíamos ver um impacto direto na redução das desigualdades educacionais. 📊

Glaucia Albertoni
Glaucia Albertoni novembro 23, 2025

Claro, porque todo mundo vai parar de comprar presente se souberem que o dinheiro vai pro governo 😒📉

Fabiana Gianella Datzer
Fabiana Gianella Datzer novembro 27, 2025

É importante que o debate legislativo considere tanto a tradição cultural quanto a necessidade de proteção infantil. A proposta de 20 de novembro pode equilibrar esses aspectos, desde que haja diálogo com o setor de brinquedos.

Henrique Lopes
Henrique Lopes novembro 30, 2025

Vamos torcer para que o discurso se traduza em ação real – sem mais promessas vazias! 😅

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