Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios, enquanto TRE-RS e TRE-RJ preparam seções eleitorais para 2024 e 2026

Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios, enquanto TRE-RS e TRE-RJ preparam seções eleitorais para 2024 e 2026

Câmara aprova proibição de voto para presos provisórios, enquanto TRE-RS e TRE-RJ preparam seções eleitorais para 2024 e 2026

A Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira 18 de junho, uma emenda que retira o direito de voto de pessoas em Marcel van Hattem (Novo-RS), que argumentou que o voto é "expressão da plena cidadania, pressupõe liberdade e autonomia de vontade, condições inexistentes durante a custódia". Com 349 votos a favor, 40 contrários e uma abstenção, a proposta foi inserida no Marco Legal do Combate ao Crime Organizado — conhecido como PL Antifacção — e agora aguarda apreciação no Senado. A mudança, se aprovada, alteraria uma das bases da Constituição Federal de 1988, que só suspende direitos políticos após condenação criminal transitada em julgado.

Contradição entre poderes: proibição x garantia

Enquanto a Câmara avança na proibição, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) realizou, em 29 de fevereiro de 2024, uma reunião com treze instituições — incluindo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE) e a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE) — para planejar a logística de votação de presos provisórios nas Eleições 2024. O chefe de gabinete da Secretaria da Presidência do TRE-RS, Raphael Gonzalez Alves, destacou que o voto é um direito constitucional, não um privilégio, e que a prisão provisória não equivale à condenação. "Aqui não estamos discutindo se o preso merece votar. Estamos discutindo se ele tem o direito, e a lei diz que tem", afirmou.

A contradição é palpável: enquanto o Legislativo tenta restringir o voto, a Justiça Eleitoral, em diversos estados, trabalha para garantir a acessibilidade. Em São Paulo, Bahia e Amazonas, em 2022, foram instaladas 207 seções eleitorais em presídios e centros socioeducativos. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou 12.963 presos provisórios aptos a votar naquele ano — um número que, embora pequeno em comparação ao total de eleitores, representa uma parcela significativa de cidadãos que ainda não foram julgados.

Como funciona o voto nos presídios hoje

Para que uma seção eleitoral seja instalada em um presídio ou centro socioeducativo, o TSE exige um mínimo de 20 eleitores aptos. O prazo para solicitar transferência temporária de votação encerrou em 18 de agosto de 2022 — e mesmo assim, em 2024, o TRE-RS ainda está atualizando cadastros, mapeando locais e treinando mesários. A logística é complexa: segurança pública, transporte, equipamentos, e o risco de conflitos internos entre presos. Em unidades com alta tensão, como as ligadas a facções, o tribunal pode suspender a votação por segurança.

Isso explica por que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) lançou, em 5 de novembro de 2025, o projeto "Democracia Além das Grades". Apresentado pelo vice-presidente e corregedor do TRE-RJ, Claudio de Mello Tavares, o projeto prevê a instalação de seções especiais nas eleições de 2026, exceto em unidades onde há presos ligados a organizações criminosas. "Não queremos que o voto se torne uma ferramenta de poder dentro das grades", explicou o desembargador. O projeto será experimental, com seleção de unidades baseada em infraestrutura, número de eleitores e nível de segurança.

Por que isso importa — e o que está em jogo

Essa disputa vai além de números. É sobre o que significa ser cidadão. A Constituição brasileira é clara: apenas quem foi condenado em definitivo perde o direito de votar. Presos provisórios são, por definição legal, inocentes até prova em contrário. Impedi-los de votar é, na prática, punir antes do julgamento. "É como negar o direito de comer a alguém que ainda não foi condenado por roubar pão", comparou um jurista que pediu anonimato.

Além disso, a emenda de van Hattem também amplia penas, cria o crime de "domínio social estruturado" e impede progressão de regime para líderes de facções. Mas será que tirar o voto de presos provisórios realmente combate o crime organizado? Ou apenas desumaniza um sistema já superlotado e falho? Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que 40% dos presos provisórios no Brasil são negros, e 68% não têm advogado público. Negar-lhes o voto é silenciar uma voz já marginalizada.

O que vem a seguir

O que vem a seguir

A emenda precisa ser aprovada pelo Senado antes de virar lei. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já indicou que o tema será debatido com cautela, dada a pressão de movimentos de direitos humanos e a posição da OAB. Enquanto isso, os tribunais eleitorais não param. O TRE-RS vai instalar, até outubro de 2024, seções em pelo menos 17 presídios do estado. O TRE-RJ, por sua vez, deve escolher as primeiras unidades para o projeto "Democracia Além das Grades" até março de 2025.

Na prática, isso significa que, em 2024, milhares de presos provisórios no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e em outros estados ainda poderão votar — mesmo que a Câmara tenha dito que não. E isso, mais do que qualquer lei, mostra o quão frágil pode ser a mudança constitucional quando enfrenta a realidade das ruas e das celas.

Frequently Asked Questions

Por que a Constituição permite que presos provisórios votem?

A Constituição Federal de 1988, no artigo 15, inciso III, suspende direitos políticos apenas após condenação criminal transitada em julgado. Presos provisórios são considerados inocentes até prova em contrário, e por isso mantêm todos os direitos civis, incluindo o voto. A Justiça Eleitoral segue essa regra para preservar o princípio da presunção de inocência, mesmo que a opinião pública muitas vezes exija punição antecipada.

Quantos presos provisórios votaram nas últimas eleições?

No pleito de 2022, o TSE registrou 12.963 presos provisórios aptos a votar em todo o Brasil. Em 2012, esse número foi de 14.671, com São Paulo, Bahia e Amazonas liderando os registros. Em 2024, mesmo com a aprovação da emenda na Câmara, o TRE-RS estima que cerca de 1.200 presos provisórios no Rio Grande do Sul ainda poderão votar, caso o Senado não aprovem a proibição até outubro.

O que é o projeto "Democracia Além das Grades"?

Lançado pelo TRE-RJ em novembro de 2025, o projeto busca garantir o voto a presos provisórios e adolescentes em medidas socioeducativas nas eleições de 2026. Serão instaladas seções eleitorais em unidades com infraestrutura adequada e sem vínculos com facções criminosas. O projeto é experimental, com monitoramento de segurança e participação de OAB, Ministério Público e Defensoria Pública para evitar abusos.

Por que o TRE-RS ainda prepara seções se a Câmara já aprovou a proibição?

Porque a emenda ainda não virou lei. Ela precisa ser aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente da República. Enquanto isso, a legislação vigente continua em vigor, e o TRE-RS tem o dever legal de garantir o exercício do voto a todos os cidadãos aptos. Ignorar esse dever seria um ato de descumprimento constitucional — e pode gerar ações judiciais.

Quem pode impedir a aprovação da emenda no Senado?

A OAB, movimentos de direitos humanos e partidos como PSOL e PDT já anunciaram que vão pressionar o Senado para rejeitar a emenda. Além disso, o TSE pode apresentar parecer técnico alertando para riscos constitucionais. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também tem poder de pautar ou adiar a votação. A pressão popular e o risco de uma ação no STF podem ser decisivos.

O que acontece se a emenda for aprovada e os tribunais continuarem permitindo o voto?

Se a lei for sancionada, os tribunais eleitorais serão obrigados a parar de instalar seções em presídios. Caso continuem, poderão ser processados por desobediência judicial. Mas a oposição pode recorrer ao STF, alegando que a lei viola a presunção de inocência. O Supremo já decidiu em casos semelhantes que direitos políticos não podem ser retirados sem condenação — então o conflito jurídico ainda está longe de terminar.

Todos os comentários