Esta sexta-feira, 19 de dezembro de 2025, o cometa interestelar 3I/ATLAS alcança sua maior aproximação da Terra — 270 milhões de quilômetros de distância — em uma passagem que os astrônomos chamam de rara, quase mística. Apesar de ser o terceiro objeto confirmado vindo de fora do nosso Sistema Solar, ele não é uma ameaça. Nem de longe. Mas é uma janela única para olhar para o passado cósmico. Enquanto você dorme, esse viajante do espaço profundo, nascido antes do Sol, está se afastando de nós, deixando para trás rastros de gás e poeira que podem revelar segredos de outro mundo, de outra estrela, de outro tempo.
Um viajante mais velho que o nosso Sistema Solar
O Centro de Estudos de Objetos Próximos da Terra da NASA, liderado por Paul Chodas, confirmou que o 3I/ATLAS atingiu seu periélio — o ponto mais próximo do Sol — em 29 de outubro de 2025, a apenas 1,36 unidades astronômicas (203 milhões de km). Nesse momento, acelerou até 68 km/s, mais rápido que qualquer outro cometa já observado dentro do Sistema Solar. E o mais intrigante? Ele pode ter **7 bilhões de anos**. Isso significa que ele se formou antes do Sol, antes da Terra, antes mesmo de qualquer planeta que conhecemos. Enquanto o nosso Sistema Solar tem cerca de 4,6 bilhões de anos, o 3I/ATLAS já flutuava entre as estrelas quando a Via Láctea era bem diferente do que é hoje.As observações do Telescópio Espacial James Webb em agosto de 2025 revelaram uma atmosfera gasosa rica em dióxido de carbono, água, monóxido de carbono e até oxissulfeto de carbono — compostos que não se encontram com frequência em cometas locais. Isso sugere que ele se formou em um ambiente químico distinto, talvez em torno de uma estrela vermelha anã, ou em uma região mais fria e densa do disco protoplanetário de outro sistema. "É como encontrar um livro escrito em um idioma que nunca vimos antes", disse ao Olhar Digital a astroquímica Dra. Lúcia Mendes, da Universidade de São Paulo.
Passagens marcantes e missões que o seguem
Em 3 de outubro de 2025, o cometa passou a apenas 28 milhões de quilômetros de Marte, o suficiente para ser registrado com detalhes pelas sondas Mars Reconnaissance Orbiter e ExoMars Trace Gas Orbiter. Ainda mais impressionante: a sonda europeia Hera, originalmente programada para estudar o asteroide Didymos, fez uma manobra inédita para cruzar sua cauda iônica entre 25 de outubro e 1º de novembro de 2025. Ela coletou partículas que, segundo a Agência Espacial Europeia, podem ser analisadas em laboratórios da Alemanha e da Itália até 2027.Em março de 2026, o 3I/ATLAS passará a 53 milhões de km de Júpiter, onde a gravidade do gigante gasoso pode alterar sua trajetória — ainda que pouco. Ainda assim, ele seguirá rumo ao espaço interestelar. A NASA estima que ele deixe definitivamente o Sistema Solar por volta de **2033**, embora algumas fontes apontem 2026. A discrepância vem da dificuldade em medir pequenas variações em sua velocidade causadas por forças gravitacionais sutis. "Não sabemos exatamente quanto ele foi desviado por Júpiter ou Saturno", admitiu Chodas em entrevista à Science em novembro. "Mas sabemos que ele não voltará. Nunca mais".
Como observar — e por que não dá para ver a olho nu
Apesar da proximidade relativa, o 3I/ATLAS permanece invisível sem equipamento. Seu núcleo, estimado entre 10 e 30 km de diâmetro, não reflete luz suficiente. Mesmo em seu ponto mais brilhante, ele está 100 vezes mais fraco que o limite de visão humana. Mas astrônomos amadores com telescópios de pelo menos 150 mm de abertura podem tentar localizá-lo nas madrugadas de sexta-feira, antes do nascer do Sol, na direção leste, perto da constelação de Boötes. "É como procurar uma vela apagada no meio de um estádio iluminado", comparou o astrônomo Carlos Almeida, do Observatório Nacional.A poluição luminosa é o maior inimigo. Recomenda-se locais afastados de cidades, com céu limpo e sem lua. O G1 orienta que observadores registrem a posição do cometa em relação às estrelas próximas — dados que podem ser enviados a redes de astrônomos amadores e ajudar a refinar sua trajetória.
O que os cientistas querem descobrir antes que ele desapareça
Seis pesquisadores internacionais, em declarações ao Olhar Digital, listaram o que mais gostariam de entender antes que o 3I/ATLAS se perca no vazio cósmico:- Qual a proporção exata de gelo e rocha em seu núcleo?
- Por que ele libera mais CO₂ do que H₂O — contrário ao padrão dos cometas do Sistema Solar?
- Existem moléculas orgânicas complexas em sua superfície?
- Ele sofreu colisões no passado? Há marcas de impacto em sua superfície?
- Qual era a composição do disco protoplanetário onde ele se formou?
- Ele é um representante típico de objetos interestelares — ou um caso extremo?
Respostas a essas perguntas podem reescrever livros didáticos sobre formação planetária. Se o 3I/ATLAS é representativo, então muitos sistemas estelares têm discos mais ricos em carbono e menos em água do que o nosso. Isso muda tudo sobre onde e como planetas como a Terra podem se formar.
Um legado que não volta
O 3I/ATLAS foi descoberto em 1º de julho de 2025 pelo telescópio ATLAS, no Chile — o mesmo sistema que detectou o cometa C/2023 A3 em 2023. Mas enquanto esse último era um cometa solar, o 3I/ATLAS é um estranho. Um visitante. Um mensageiro do passado. E ele está indo embora. Não há missões planejadas para alcançá-lo depois de 2030. Nenhum telescópio terrestre ou espacial será capaz de vê-lo novamente. Isso torna os próximos meses uma janela única. Uma chance de ouvir o sussurro de um universo que não é o nosso.Frequently Asked Questions
Por que o cometa 3I/ATLAS é considerado interestelar?
Ele é considerado interestelar porque sua trajetória excede a velocidade de escape do Sistema Solar — ou seja, ele não foi capturado pela gravidade do Sol. Sua velocidade relativa ao Sol é de 68 km/s, muito acima do limite necessário para ser um objeto local. Isso indica que ele veio de outro sistema estelar, provavelmente do disco espesso da Via Láctea, e apenas passou por aqui.
O cometa representa algum risco para a Terra?
Não. A distância mínima de 270 milhões de km é mais de 700 vezes maior que a distância entre a Terra e a Lua. Mesmo se sua trajetória fosse alterada por uma força gravitacional inesperada, ele não tem massa suficiente para causar danos significativos. Além disso, sua órbita foi calculada com precisão por múltiplos observatórios ao redor do mundo.
Por que não consigo ver o cometa a olho nu, mesmo estando tão perto?
O núcleo do cometa é pequeno — entre 10 e 30 km — e não reflete luz suficiente. A coma, ou nuvem de gás, é difusa e espalhada. Mesmo em seu ponto mais brilhante, ele tem magnitude 15, enquanto o limite da visão humana é cerca de 6. Isso significa que você precisa de um telescópio potente e céu escuro para vê-lo. É como tentar ver um fósforo aceso a 10 km de distância.
O que torna o 3I/ATLAS diferente dos cometas anteriores, como Oumuamua e Borisov?
Enquanto Oumuamua era um objeto rochoso e não apresentou coma, e Borisov era mais parecido com cometas solares, o 3I/ATLAS tem uma atividade gasosa rica em dióxido de carbono e compostos incomuns. Também é o mais antigo já detectado — talvez 7 bilhões de anos — e foi observado por mais instrumentos, incluindo o James Webb e sondas espaciais. Isso o torna o mais estudado de todos os cometas interestelares até hoje.
Quais são as próximas etapas da pesquisa sobre o cometa?
As amostras coletadas pela sonda Hera serão analisadas em laboratórios da Europa até 2027. Além disso, telescópios como o James Webb e o Vera C. Rubin Observatory continuarão rastreando sua posição e brilho até que se torne invisível, por volta de 2030. Os dados serão usados para modelar a composição química de discos protoplanetários em outros sistemas estelares, possivelmente ajudando a entender como planetas como a Terra se formam fora da nossa vizinhança cósmica.
Existe chance de outro cometa interestelar ser detectado em breve?
Sim. O sistema ATLAS e o futuro observatório Vera C. Rubin devem detectar um novo cometa interestelar a cada 1 a 3 anos, segundo estimativas da NASA. Mas o 3I/ATLAS é especial porque foi descoberto cedo, tem alta atividade e passou perto de Marte e Júpiter — o que permitiu observações únicas. A maioria dos próximos objetos será mais fraco e detectado só quando já estiver se afastando.